quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Por que as nações falham: Diferença marcante entre Ucrânia e Reino Unido


SÃO PAULO - Ucrânia e Reino Unido. A rigor, o problema que vivem é o mesmo: uma parte da população do país deseja separar-se para constituir uma unidade política distinta. Os processos, entretanto, não poderiam ser mais diferentes.
Na Ucrânia, a disputa assumiu a forma de uma guerra civil, na qual potências estrangeiras, notadamente a Rússia de Vladimir Putin, não cessam de intervir. Já no Reino Unido, escoceses irão pacificamente às urnas no próximo dia 18 para definir se manterão sua aliança com a Inglaterra ou formarão um país independente. Mesmo que os secessionistas prevaleçam, ninguém prevê um conflito armado. Por que a diferença?
Obviamente, há muitos fatores em operação, mas acho que a institucionalidade responde por boa parte do enigma. Enquanto o Reino Unido é uma das mais antigas democracias do planeta, com instituições políticas maduras o bastante para digerir um problema complicado como a desintegração do país, nada remotamente semelhante chegou a surgir na Ucrânia e na Rússia pós-soviéticas, onde essas questões ainda são decididas pela lei do mais forte.
Quem defende com maestria e profusão de exemplos essa teoria de que as instituições explicam (quase) tudo são Daron Acemoglu e James Robinson, autores do livro "Por Que Nações Fracassam", que recomendo.
A possível fragmentação do Reino Unido também nos coloca diante de um dos dogmas da geopolítica contemporânea que é o de que a integridade territorial dos países deve sempre ser respeitada. Será? Essa tese até faz sentido para quem vê nações como a união que a história impõe a povos e pessoas. Penso, porém, que faz mais sentido descrever um país como a vontade que indivíduos têm de construir um futuro comum e, neste caso, as fronteiras são só um detalhe. Desde que os termos sejam negociados por todas as partes afetadas, não vejo problema em redesenhar países e criar novas nações. helio@uol.com.br
Folha: 10.09.2014.
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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Brasil cai um posto em lista de países mais competitivos: Ineficiência do governo foi um dos pontos que pesaram para queda

País ficou na 57ª posição em estudo que mede competitividade, atrás de China, Rússia, Chile e África do Sul

MACHADO DA COSTADE SÃO PAULO
O Brasil perdeu uma posição no ranking global de competitividade neste ano e agora ocupa a 57ª posição de 144. Feito pelo Fórum Econômico Mundial, o estudo aponta para a ineficiência do governo como o principal fator de piora entre 2013 e 2014.
Educação superior e saúde, por outro lado, foram os quesitos em que o país apresentou evolução no último ano, segundo o estudo.
Para Carlos Arruda, coordenador do Núcleo de Inovação da Fundação Dom Cabral e responsável pelos dados do Brasil que compõem o ranking, o levantamento mostra que o país precisa fazer reformas como trabalhista e tributária o quanto antes.
No quesito instituições, que mede justamente a atuação de órgãos governamentais, o Brasil ficou em 94º lugar. Em 2013, estava em 80º.
O país está entre os últimos colocados em alguns dos componentes que integram esse índice, como peso das regulações governamentais (143º), confiança nos políticos (140º), desperdício do governo (137º) e desvios de recursos públicos (135º).
Arruda afirma que o estudo é feito com empresários e o cálculo representa suas percepções.
Nem mesmo as aprovações no Congresso do Código Florestal, do Marco Civil da Internet ou da partilha dos royalties do pré-sal ajudaram nessa percepção.
"Apesar de o Brasil ter feito reformas, elas têm avançado de forma mais lenta do que outros países. O Brasil está fazendo menos do que o que é preciso", afirma.
O ambiente macroeconômico também foi um fator de perda de competitividade. Pioras na poupança bruta, na inflação e na dívida bruta contribuíram para a queda de dez posições nesse quesito.
A eficiência do mercado de trabalho também arrastou o Brasil para baixo no estudo.
O país perdeu 17 posições no último ano devido à falta de reformas na legislação trabalhista, diz Arruda.
"A comunidade empresarial entende que nada está sendo feito para flexibilizar a legislação trabalhista."
EMERGENTES
O Brasil está à frente da maioria de seus parceiros comerciais na América Latina, mas é o quarto colocado entre os Brics, atrás de China (28º), Rússia (53º) e África do Sul (56º), somente à frente da Índia (71º) nesse grupo.
Entre as principais economias latino-americanas, o Chile se destaca, em 33º lugar. O Brasil é o segundo, à frente de México (61º) e Peru (65º).

Estudo une reivindicações de manifestantes e empresários

Em tudo o que depende de ação do governo, o Brasil fica entre os últimos do relatório do Fórum Econômico Mundial
CLÓVIS ROSSICOLUNISTA DA FOLHA
A avenida Paulista, epicentro dos protestos contra tudo, e Davos, que abriga todo janeiro o convescote da elite global, encontraram-se nesta terça-feira (2), ao ser divulgado o Relatório Global de Competitividade para o período 2014-15, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, que capitaneia o encontro em Davos.
Explico: os protestos de junho do ano passado (e não só na Paulista) foram uma catarata de críticas ao funcionamento de praticamente tudo de que os governos deveriam cuidar. O Fórum de Davos dá razão aos protestos, ao colocar o Brasil em posições desastrosas em "eficiência do governo" (131º em 144 países listados), "funcionamento das instituições" (104º) e "corrupção" --aliás, outro foco dos protestos--, em que o Brasil fica no 130º lugar, sem falar em "educação" (126º).
Ou seja, em tudo o que depende de ação do governo, o Brasil fica entre os últimos da fila, embora, no cômputo geral de todos os itens avaliados, a posição do país seja intermediária (57º).
Mas o relatório também dá certa razão aos empresários e analistas econômicos liberais/conservadores, que não se cansam de criticar o pífio desempenho da economia na gestão Dilma Rousseff: a pobre evolução da economia coloca o Brasil no 85º posto em tal quesito, quase 30 posições, portanto, atrás da classificação geral.
Como é próprio em relatórios da corrente ortodoxa da economia, caso dos gurus de Davos, o relatório só dá como positivos os aspectos que não dependem diretamente da ação/inação governamental, tais como o tamanho do mercado e sua "razoavelmente sofisticada comunidade de negócios, com bolsões de excelência em inovação, em muitas atividades ligadas à pesquisa e à produção de valor agregado".
As dificuldades apontadas para o Brasil valem para a América Latina, a tal ponto que o relatório acaba sendo uma comprovação indireta do fracasso das políticas de integração no subcontinente, prioridade dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Ambos apostavam em projetos de infraestrutura para integrar a região, mas o relatório aponta agora como fator que limita o crescimento a carência de "investimentos suficientes" exatamente em uma área como a infraestrutura, além de desenvolvimento de talentos e da inovação.
Não parece leviano especular que essa percepção de Davos combina com a da maioria do eleitorado brasileiro, que, em sucessivas pesquisas, manifesta-se maciçamente por "mudanças".
Ajuda a explicar as dificuldades que enfrenta a candidatura à reeleição de Dilma Rousseff (PT).
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terça-feira, 20 de maio de 2014

O medo do novo

VLADIMIR SAFATLE
O filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995) costumava dizer que algo novo nunca aparece de uma vez. Pois, quando se nasce, sempre se nasce frágil e titubeante, acostumando-se aos poucos com a situação na qual o recém- -nascido se encontra pela primeira vez.
Por isso, o que é novo, para poder sobreviver, precisa revestir-se por um tempo com a capa do já visto. Assim, as forças que no fundo tudo fazem para deixar as estruturas intocadas não irão destruir o que acabou de nascer. Elas nem sequer perceberão sua singularidade, até que seja tarde demais para reagir.
Essa descrição de Deleuze era, na verdade, uma espécie de conselho que talvez seja a nossa versão contemporânea para as virtudes da prudência. O tipo do conselho de que sempre nos esquecemos quando agimos.
Na maioria das vezes, nossos desejos são maiores do que a nossa capacidade de preparar as nossas ações. Por isso, talvez, tantos projetos de transformação acabem abortados, muitas vezes por interesses de conservação do que já perdeu seu tempo, mas que faz de tudo para esconder dos outros que já está morto.
Acho que tal perspectiva vale, principalmente, para o que se passa agora no campo da política. Estamos em um momento que está apenas começando e exigirá toda nossa criatividade e paciência para a construção de novas experiências políticas.
Alguns gostariam de confiar na espontaneidade da revolta, mas como mostram os desdobramentos da Primavera Árabe no Egito, o entusiasmo por si só não garante a realidade de nossos sonhos.
Outros entendem que a potência do novo sempre traz no seu bojo novas formas de organização, mas permitir que tais novas formas não sejam destruídas em seu nascedouro nem sempre é fácil.
No que diz respeito ao campo das esquerdas, há de se dizer que ainda conseguiremos criar uma esquerda não dirigista, que não seja refém de interesses eleitorais comezinhos travestidos de necessidade histórica, que pare de usar o discurso do medo para esconder sua falta de capacidade de produzir futuros.
Uma esquerda que demonstre à sociedade não os seus conflitos internos ou as suas depressões seguras, mas, sim, sua força criativa. Uma esquerda que entenda como é impossível defender a transformação da experiência democrática na sociedade enquanto continua a ter as piores práticas no interior de certos aparelhos partidários. Pois ninguém confiará em alguém incapaz de fazer na própria casa aquilo que se propõe a fazer na casa dos outros.
Há uma juventude combativa e dinâmica que sabe disso e que aprendeu a não se contentar com pouco.
Folha, 20.05.2014

segunda-feira, 28 de abril de 2014

CAMAROTES DE VIPS SÃO UMA AMEAÇA AO ESPÍRITO DEMOCRÁTICO

Filósofo critica 'camarotização' de estádios e afirma que vida comum saudável depende de espaços públicos com mistura de classes
RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTON
O curso "Justiça" fez o filósofo Michael Sandel, 61, virar um dos professores mais populares da história da Universidade Harvard. Suas aulas foram vistas por mais de 12 milhões de pessoas on-line e exibidas como séries nas redes públicas de TV PBS e BBC.
Neste mês, participará do evento "Fronteiras do Pensamento", com palestras em São Paulo e Porto Alegre sobre seu livro "O Que o Dinheiro Não Compra - Os Limites Morais do Mercado" (editora Civilização Brasileira).
Nessa sua última obra, o professor diz que a entrada do dinheiro em diversas áreas "corrompe" seus objetivos. Cita exemplos: da escola em Israel que começou a cobrar de pais que chegavam atrasados para buscar seus filhos ("como se tornou um bem a ser pago, o constrangimento diminuiu e o número de pais atrasados aumentou") à compra de sangue ("a doação caiu quando começou a ser tratada como produto").
Ele diz que faltam "perguntas e debate" para saber em quais espaços o mercado é bem-vindo ou não. Sandel recebeu a Folha em seu escritório em Harvard.

Folha - O sr. critica a "camarotização" da vida pública nos EUA, onde se paga para ser VIP. Onde não há mistura de classes e convívio, o bem público e o espírito democrático estariam em risco. Como desenvolver esse espírito?
Michael Sandel - Nos EUA, as elites parecem desesperadas em não se misturar com os demais. Vida comum é saudável, e uma democracia vibrante precisa de lugares públicos que misturem diferentes classes. A camarotização é uma ameaça à democracia, ao espírito do bem comum. Os esportes costumavam ser essa arena. Mas a camarotização dos estádios tem repetido a segregação.


No Brasil, a insegurança produziu uma sociedade ainda mais segregada.
O maior erro é pensar que serviços públicos são apenas para quem não pode pagar por coisa melhor. Esse é o início da destruição da ideia do bem comum. Parques, praças e transporte público precisam ser tão bons a ponto de que todos queiram usá-los, até os mais ricos. Se a escola pública é boa, quem pode pagar uma particular vai preferir que seu filho fique na pública, e assim teremos uma base política para defender a qualidade da escola pública. Seria uma tragédia se nossos espaços públicos fossem shoppings centers, algo que acontece em vários países, não só no Brasil. Nossa identidade ali é de consumidor, não de cidadão.


O sr. conta que a associação de aposentados americanos não convenceu advogados a trabalhar por honorários baratos para seus sócios. Mas que eles aceitaram trabalhar de graça. A filantropia americana não seria diferente se não houvesse vantagens fiscais e uma lei taxando heranças?
Incentivar filantropia é bom. Promover a dedução de impostos nesse caso é uma declaração pública de que doações são hábitos que queremos encorajar. Mas, em outros casos, incentivos podem ser danosos. Oferecer dinheiro para que alunos leiam livros pode ser corrosivo. Se acharem que ler é um trabalho que merece ser pago, vai ser difícil descobrirem que é prazeroso, que os faz seres humanos mais reflexivos.


No Brasil, onde a cultura da filantropia é menos comum, alunos e professores protestaram contra batizar classes com nomes de doadores, mesmo estando em universidades públicas. Quando é legítimo advogar por mais mercado?
Sou cético sobre batizar bens ou espaços públicos e cívicos com nomes corporativos. Nos EUA, temos viaturas policiais, carros de bombeiros, propaganda em escolas, em peruas escolares, nos uniformes e nas lanchonetes. Principalmente nas escolas, prefiro um certo santuário, certa distância do marketing.
Nas universidades, é diferente. Universitários são mais maduros, menos impressionáveis que crianças. Sempre devemos nos perguntar quando algo corrompe. O prédio em que estamos aqui em Harvard é batizado com nome de doador. Nesse caso, isso não afeta a maneira como dou aulas ou o comportamento dos alunos.


No Brasil, há extremos opostos ao que o sr. descreve. Esperamos muito do governo, mesmo com alta carga tributária e má qualidade dos serviços.
Às vezes, mais mercado é necessário. Meu livro não é contra o livre mercado. É contra os excessos, o domínio de cada aspecto da vida. Mercado é ferramenta para organizar uma economia produtiva. Mas não pode regular tudo: política, lei, espaço público, saúde, educação. Há burocracias ineficientes em fornecer serviços. Agências governamentais às vezes têm um poder que não presta contas, o mercado é mais eficiente em algumas áreas.
Quando o poder é muito concentrado, seja nas mãos do governo ou de oligopólios privados, há espaço para ineficiência e corrupção. Governos de vários países tinham companhias aéreas. O setor privado tampouco é muito bom nessa área, mas não há razão para subsidiar com dinheiro público esse setor.


Por que o sr. é contrário ao crédito de carbono [certificado para pessoa ou empresa que reduz emissão de gases do efeito estufa e que é negociável no mercado internacional]?
Precisamos ter um imposto sobre emissões que faça cada um pagar o preço do estrago. Minha preocupação é que esse mercado de créditos permita aos países ricos fugir de seus sacrifícios compartilhados. Pode ser "eficiente" para os economistas que os ricos paguem para continuar poluindo, mas isso não cria uma ética de longo prazo de que todos precisamos mudar nosso estilo de vida.


O sr. já esteve no Brasil, falando de seu livro "Justiça". O conceito de jeitinho brasileiro denota uma moral elástica quanto ao cumprimento de leis. O sr. ouviu questões diferentes sobre justiça no país?
Os brasileiros me pareceram preocupados com corrupção. Minha primeira visita aconteceu quando o julgamento do mensalão começava. Depois, vieram protestos contra o aumento das tarifas e o desperdício na Copa e na Olimpíada. Minha segunda visita foi logo depois, em agosto, testemunhei um desenvolvimento surpreendente no ativismo cívico. Para todos que perguntava, havia simpatia pelos protestos.
Fiquei surpreso com o fato de que a maioria achava que mudanças aconteceriam. As expectativas eram muito altas. Temo pelo efeito da desilusão na energia cívica.


O sr. diz que a crença no poder do mercado esvaziou o debate público. Por quê?
Há uma hesitação em trazer argumentos morais para a praça pública. A fé no mercado tem ocupado todo o discurso nas últimas três décadas. Se os mecanismos de mercado pudessem resolver todos os problemas, haveria pouco espaço para a deliberação democrática.
Em sociedades pluralistas e multiculturais como as nossas, pessoas discordam sobre questões fundamentais. Para evitar controvérsia, os políticos se calam. Há tanta frustração no mundo com a política, os partidos, os políticos porque não há respostas para o que mais interessa. A política acabou sendo dominada por retórica de gerenciamento, tecnocrática, que evita falar dos grandes temas.


A crise de 2008 ajudou a eleger Obama como presidente da "mudança". Por que tão pouco mudou?
Nos anos 1980, [o presidente americano Ronald] Reagan e [a primeira-ministra britânica Margaret] Thatcher vieram com uma ideologia explícita que dizia que o mercado tinha resposta para tudo e que o governo era o problema. Foi o triunfalismo de mercado.
Só que eles foram sucedidos pela centro-esquerda, do [primeiro-ministro Gerhard] Schroeder, na Alemanha, a Tony Blair [primeiro-ministro britânico] e Bill Clinton [presidente americano], que não questionaram a questão dos mercados. Eles consolidaram a crença de que o mercado tem resposta para tudo. É o debate que está faltando: onde o mercado serve ao bem comum e onde ele não serve. Folha, 28.04.2014.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

CLÓVIS ROSSI: Brasil, Índia e a mudança


As duas democracias vão às urnas com muitas semelhanças, exceto pelo favoritismo da oposição
A maior democracia do mundo, a Índia, e uma das maiores, o Brasil, irão às urnas neste ano com alguns importantes aspectos em comum, por mais que sejam distantes e profundamente diferentes.
Os indianos estão votando há dez dias e são tantos (mais de 814 milhões) que o pleito se estenderá até o dia 12 de maio, em nove etapas sucessivas.
A principal característica em comum é o desejo de mudança. No Brasil, pesquisas do Datafolha têm mostrado que pelo menos dois terços dos eleitores querem mudanças na maneira como o país está sendo governado, o que, de resto, já ficara claro nas manifestações de junho passado. Na Índia, "a eleição é menos a respeito de políticas e mais sobre o desejo de mudanças", escreve o "New York Times".
Segunda coincidência: o desejo de mudança parece estar sendo atiçado pelo baixo crescimento econômico.
No Brasil, a desaceleração observada nos anos Dilma Rousseff é tema permanente de comentários. Na Índia, embora o crescimento atual (cerca de 5%) seja mais que o dobro do brasileiro, é insuficiente para acomodar as formidáveis massas que chegam todos os anos ao mercado de trabalho.
O incômodo com a situação econômica no Brasil também ficou evidente nas pesquisas da semana passada do Datafolha, nas quais uma firme maioria de consultados teme a alta da inflação e também do desemprego.
Na Índia, é basicamente a mesma coisa. Também na semana passada, o Pew Research Center, conceituado instituto de pesquisas dos EUA, divulgou pesquisa que mostra que 70% dos pesquisados estavam insatisfeitos com as perspectivas econômicas do país e mais de 80% estavam amargamente pessimistas a respeito dos assuntos econômicos.
"Tudo é um problema para o eleitor indiano", disse Bruce Stokes, pesquisador do Pew, à revista "The Economist".
Não soa parecido com os protestos contra tudo de junho no Brasil?
Outra coincidência: a ascensão de uma nova classe média, com suas reivindicações insatisfeitas. Negreja Chowdhury, colunista do "Times of India", escreve que, se houver uma troca de partidos no governo, "será reflexo de mudanças sociais em curso, com uma crescente, afirmativa e urbana classe média desejosa de engajar-se politicamente".
A grande diferença entre as duas democracias de massa está exatamente na perspectiva de troca de comando: na Índia, o favorito é a oposição, mais exatamente Narendra Modi, do BJP (Bharatiya Janata Party, Partido do Povo Indiano), conservador e nacionalista. No Brasil, a favorita é Dilma Rousseff.
O que explica que situações parecidas produzam em tese desenlaces diferentes? Na Índia, a oposição conseguiu oferecer uma perspectiva atraente, na forma de Modi e sua "agressiva ofensiva para desenvolver e industrializar Gujarat [o Estado que governa], o que garantiu ao Estado a reputação de futura China da Índia", escreve Ruchir Sharma, chefe de mercados emergentes da Morgan Stanley.
No Brasil, a oposição não convenceu o eleitor de que fará melhor.
Folha, 17.04.2014
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quarta-feira, 16 de abril de 2014

ELIO GASPARI: "O PT e o PSDB pagaM pela 'compreensão'"


O isolamento de André Vargas deveria ter vindo quando ele atacou Olívio Dutra, a banda limpa do PT
André Vargas deveria ter sido isolado pelo PT no ano passado, quando atacou o ex-governador gaúcho Olívio Dutra, que defendera a renúncia do deputado José Genoino depois de sua condenação no processo do mensalão. Na ocasião, disse o seguinte:
"Quando ele passou pelos problemas da CPI do Jogo do Bicho, teve a compreensão de todo mundo. Para quem teve a compreensão do conjunto do partido em um momento difícil, ele está sendo pouco compreensivo. Ele já passou por muitos problemas, né?"
Olívio Dutra nunca fora condenado em qualquer instância judicial. Genoino acabava de receber do Supremo Tribunal Federal uma sentença de 6 anos e 11 meses de prisão. Olívio passou pelo governo e continuou morando no pequeno apartamento que comprou como funcionário do Banrisul. Em apenas dez anos, entre sua eleição para vereador em Londrina e sua última eleição para a Câmara, André Vargas decuplicou seu patrimônio. Teve um doleiro amigo, redirecionou R$ 836 mil de doações legais para companheiros e chegou à primeira vice-presidência da Câmara dos Deputados. Certamente foi um militante compreensivo. Felizmente, faltou-lhe a compreensão do comissariado.
A reeleição da doutora Dilma, bem como a sua possível substituição por Lula, estão ameaçadas pelo exercício do que André Vargas chamou de "compreensão". Esse sentimento, amplo, geral e irrestrito, prevaleceu no PT em 2005 quando ele optou pela blindagem dos mensaleiros. Os partidos têm horror a cortar a própria carne. O PSDB manteve Eduardo Azeredo na sua presidência depois da exposição do mensalão mineiro. Fingiu-se de surdo por quase dez anos diante das sucessivas provas de que funcionara em São Paulo um cartel de fornecedores de equipamentos pesados, liderado pela Alstom.
O comissariado marcha para uma campanha eleitoral em que enfrentará um desejo de mudança. Sua dificuldade estará em mostrar que se pode mudar com mais do mesmo. Se algo mudará com outros candidatos, é um problema que caberá a cada eleitor julgar, mas, pela lógica do mesmo, mudança não sai. Isso fica claro quando a doutora Dilma diz que há uma "campanha negativa" contra a Petrobras. Falso, o que há, desde 2003, é um aparelhamento partidário, com bonificações pessoais, dentro da empresa. Aqui e ali foram tomadas medidas moralizadoras, sempre em silêncio, até que o doutor Paulo Roberto Costa, tentando esconder sua contabilidade, foi parar na cadeia.
Todos os governantes que fizeram campanhas políticas com a bandeira da moralidade, inclusive Lula, enganaram seus eleitores. A ferocidade com que o tucanato se opõe à manobra diversionista do PT para expandir o foco da CPI das petrorroubalheiras é um indicador dessa "compreensão" generalizada. Os tucanos de boa memória haverão de se lembrar do que foi a administração do doutor Joel Rennó na Petrobras (1992-1999). Em benefício de Fernando Henrique Cardoso, registre-se que ele herdou-o de Itamar Franco e manteve-o no cargo atendendo ao falecido PFL.
O rápido isolamento de André Vargas é boa notícia. Ainda assim, é pouco detergente para muito pano. O que a campanha precisa é da luz do sol, inclusive em cima das propostas dos candidatos. Folha, 16.04.2014.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Financiadores pressionam políticos para evitar CPIs no Congresso

VALDO CRUZ / ANDRÉIA SADI DE BRASÍLIA 06/04/2014  01h15

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Empreiteiras e outros grandes doadores de campanhas eleitorais estão pressionando deputados e senadores governistas e da oposição a desistir da criação de CPIs no Congresso para investigar os negócios da Petrobras e o cartel acusado de fraudar licitações de trens em São Paulo.
De acordo com seis parlamentares que transitam no meio empresarial e um assessor presidencial ouvidos pela Folha, os interlocutores das empresas afirmam que uma CPI pode reduzir o "ânimo" dos empresários para financiar candidaturas na campanha eleitoral deste ano.
Os primeiros contatos começaram há duas semanas, depois que a oposição conseguiu as assinaturas para criação de uma CPI para investigar a Petrobras no Senado. Doadores foram estimulados pelo próprio governo a entrar em campo para convencer senadores a retirar suas assinaturas do primeiro pedido de criação da CPI, apresentado pelo PSDB. A tentativa se revelou frustrada.
Houve conversas com parlamentares governistas e da oposição. Um deles, que pediu para não ser identificado, relatou que os interlocutores das empresas pediram "bom senso" aos congressistas, lembrando que sempre há o risco de uma CPI sair de controle.
"O mundo trocou BBM com o doleiro Alberto Youssef", contou um parlamentar governista, citando o sistema de troca de mensagens do celular do doleiro acusado de participar de um esquema de lavagem de dinheiro desbaratado pela Polícia Federal.
Segundo a PF, Youssef tinha relacionamento estreito com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que está preso em Curitiba e guardava planilhas detalhadas com registros do que fazia. Por essa razão, as empresas temem o que pode acontecer se ele contar o que sabe ou se suas planilhas vierem à tona durante uma CPI, "Ele é muito organizado. É batom na cueca", diz um congressista.
Editoria de Arte/Folhapress
Esse congressista sustenta também que uma investigação contra as principais doadoras de campanha num ano eleitoral comprometerá o financiamento dos candidatos.
Temor

Depois do mensalão, o setor privado passou a temer ainda mais as CPIs. Nos casos da Petrobras e do cartel de trens paulista, lembram congressistas, as investigações poderiam atingir clientes da estatal e empresas que participaram da construção de metrôs em outros Estados.
Representantes das empresas também entraram em contato com assessores presidenciais para pedir ao Planalto que desista de partir para a guerra contra as CPIs. Em reunião recente com sua equipe para avaliar o clima no Congresso, a presidente Dilma Rousseff afirmou ser contra a criação de comissões parlamentares de inquérito, mas disse que, se a oposição vai criar a dela, o governo não pode ficar na defensiva.
Os empresários foram informados, porém, de que o governo está jogando mais para criar um clima de "confusão" no Congresso e, com isso, impedir que qualquer CPI, mesmo que seja criada, venha a funcionar de fato. O governo terá apoio da cúpula peemedebista na operação.
Hoje, há quatro pedidos de criação de CPIs. Duas, da oposição, pedem para investigar negócios da Petrobras, como a compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA). Outras duas, do governo, incluindo na lista dos itens a serem investigados o cartel do metrô de São Paulo e o porto de Suape (PE), numa tática para atingir os pré-candidatos da oposição à Presidência, Aécio Neves (PSDB-MG) e Eduardo Campos (PSB-PE). 
Folha, 06.04.2014